19 de agosto de 2021
Os estágios curriculares obrigatórios na formação inicial de professores de educação básica: a relação entre universidade e instituições educativas.
Autora: Roberta Flaborea Favaro
Os estágios curriculares obrigatórios na formação inicial de professores do ensino fundamental são um assunto relativamente estudado na literatura anglo-saxônica. Entre diversos fatores que influenciam no êxito dos estágios, na perspectiva de Flaborea-Favaro (2016), é a relação estabelecida entre universidades e instituições de ensino, principalmente diante das normas vigentes, do vínculo interinstitucional e das disciplinas, principalmente o professor universitário que acompanha os estágios e o professor que acompanha os estagiários na instituição de ensino.
Considerando o exposto, esta pesquisa teve como objetivo aprofundar as experiências e discussões sobre a formação prática de professores, principalmente sobre a formação teórico-prática de futuros licenciados. O objetivo foi analisar a formação teórico-prática realizada em dois países, com dois estudos de caso específicos: a licenciatura em pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, no Brasil, e o programa de psicologia e pedagogia da universidade. Pedagógico Nacional, na Colômbia. Os dois casos são programas oferecidos por universidades públicas e de referência em treinamento de professores.
Também, o objetivo foi desenvolver uma análise correlacional desses dois estudos de caso em diferentes contextos formativos, a fim de gerar conclusões e recomendações sobre a relação entre universidades, lugares de realização dos estágios e seus diferentes sujeitos, para as condições de sucesso das práticas, o que nos permitiu compreender a lógica de diferentes situações contextuais, sociais e econômicas de desenvolvimento profissional do professor.
A partir da teoria, a estrutura e organização do estágio pode ser de grande fragilidade global, conforme afirma Tejada-Fernández, Carvalho-Dias e Ruiz-Bueno (2017). Em seus trabalhos, os autores apontam que os dados relacionados à organização estrutural “também o frágil trabalho colaborativo entre tutores universitários e a ausência de critérios de treinamento e experiência profissional na atribuição do sujeito” (p. 108). Percebe-se que, em geral, as relações interinstitucionais não são muito colaborativas, o que mostra um problema a ser estudado.
Esta pesquisa baseia-se no princípio de que a relação entre a universidade e os colégios públicos é um dos principais pontos para o sucesso, entendido como o elemento que aponta para a qualidade da formação teórica e prática do professor. Portanto, a pergunta norteadora desta pesquisa é:
É possível estabelecer uma correlação entre as ações desenvolvidas pela universidade e colégios públicos para a promoção de relações interinstitucionais bem-sucedidas nos estágios?
Com relação à metodologia aplicada a esta pesquisa, pretendeu-se realizar um estudo qualitativo, com base na análise de conteúdo realizado em duas experiências formativas e na relação interinstitucional na formação teórico-prática do futuro professor. Guba e Lincon (1989) afirmam que a realidade é construída socialmente; portanto, na pesquisa qualitativa, não se pretende generalizar, mas observar os fenômenos que ocorrem em um determinado contexto para entender o que significa o que acontece nos elementos educacionais. Ele tenta estudar dimensões variadas do mesmo fenômeno, dada a sua complexidade.
Tentou-se trabalhar as representações dos sujeitos diante do sujeito tratado, como Lefebvre (1961 citado em Penin, 2011), entendido como o discurso e sua prática. Para tanto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com coordenadores das práticas das instituições universitárias e dos centros de prática das duas licenciaturas em pedagogia e nas línguas analisadas, alunos das licenciaturas e tutores das escolas públicas de São Paulo e Bogotá. Como pode ser visto, todos são considerados participantes da formação de futuros professores e são corresponsáveis por sua formação, tanto na universidade quanto nos colégios públicos. Cabe destacar que os programas escolhidos tiveram o critério de serem equivalentes na formação do professor de educação básica (da 1ª à 5ª série do ensino fundamental) nos dois países, bem como em seu desenvolvimento profissional.
Os resultados desta pesquisa apontam a grande necessidade de realização dos estágios em distintos ambientes educativos, educação formal, no formal e informal, o que implica em uma flexibilidade curricular para atender a grande demanda por instituições educativas de diferentes naturezas. Existem disciplinas formais nos dois programas para a realização dos estágios, no caso da pedagogia desde o segundo semestre, e no caso do programa de psicologia e pedagogia, desde o sétimo semestre, o que leva a concluir que o lugar da formação prática é diferenciado nos diferentes programas. Entretanto, de acordo a representação dos diferentes sujeitos entrevistados, os estágios são vistos como elemento central para a grande variedade de propostas formativas nos estágios, o que implica os diferentes acolhimentos dos futuros professores pelas instituições educativas, tanto na Colômbia quanto no Brasil.
Nos dois programas identificou-se profissionais especializados para a organização logística, legal e de acompanhamento dos estagiários. No caso da Faculdade de Educação, sendo a organização dada por toda a faculdade, e não pelo programa, como no caso do programa de psicopedagogia, o número de funcionários é maior, três educadoras responsáveis pela abordagem pedagógica, dois profissionais administrativos, responsáveis por questões de documentação, e o comité responsável pelos estágios, incluindo uma professora da faculdade. Na Colômbia, o próprio programa é responsável pela organização dos estágios, o que implica um coordenador de estágios e seu comitê, com três professores, e os professores “enlace” que acompanham os estagiários nas escolas. A questão administrativa é de responsabilidade dos professores enlaces. Portanto, existe uma organização administrativa e pedagógica distinta que pode promover um melhor acompanhamento da formação dos futuros professores.
Com relação ao tipo de colégio, na FE-USP existem três modelos: (a) escolas campo, (b) escolas cujas relações interinstitucionais são de longa data, e (c) os colégios de toda São Paulo, que possivelmente não tem uma aproximação grande à sessão de estágios. No programa de psicopedagogia na Faculdade de Educação, Colômbia, foi identificado um único tipo de estágio, apesar de existir variedade nas instituições acolhedoras do programa.
No caso do programa de psicologia e pedagogia, identificou-se um único tipo de estágio frente ao currículo; entretanto, o professor enlace oferece uma conotação específica, junto às necessidades pedagógicas dialogadas e acordadas no colégio. Como consequência, existe um acompanhamento específico oferecido pelo professor universitário que acompanha fisicamente os estagiários nas escolas, realizam discussões in situ, conhecem os professores da escola e estabelecem relação entre a universidade e o colégio. Isso implica em recursos extras, mas que promovem a maior qualidade no acompanhamento dos estagiários nas escolas, por exemplo, a segurança para os estagiários de que estão sendo acompanhados, e para a escola, de que a universidade está sendo representada pelo professor enlace. Por outro lado, no caso da licenciatura em pedagogia realizada no Brasil, os estagiários em sua grande maioria estão nas escolas de maneira autônoma, sem um acompanhamento dos professores da universidade, com exceção das escolas campo, onde existe um professor da faculdade responsável pelo projeto, no caso de uma das escolas visitadas, os estagiários participavam dos projetos chamados Negritude. De certa maneira, os estagiários estão sob a responsabilidade dos profissionais dos colégios.
Como conclusão, pode-se entender que existe baixa relação interinstitucional entre universidade e colégios, falta de formação de professores, o que implica pouca corresponsabilidade na formação do futuro professor. Nos dois países, há dificuldade em alcançar a compreensão sobre o objetivo da formação de professores, o conhecimento a ser construído com os estagiários. Os projetos elaborados e aplicados nos colégios nos dois programas são determinantes para o impacto na instituição de ensino, bem como para o envolvimento dos sujeitos, principalmente os tutores da escola, os professores da universidade e estagiários. Como consequência, entende-se que a Faculdade de Educação e as instituições educativas, apesar de ser consideradas pelos estagiários como formadoras dos futuros professores, não trabalham juntos para esta formação. Os colégios pouco se classificam como formadores de futuros profissionais da educação.
Derivados das conclusões, as recomendações para a formação dos futuros professores podem ser sinaladas: (a) quanto maior relação interinstitucional, melhor a sintonia na formação dos futuros profissionais de educação; (b) existe certa insegurança por parte dos estagiários na realização da sua formação prática, o que implica na importância dos professores enlace para promovem a maior vinculação interinstitucional, fomentando a qualidade dos estágios; entretanto, como a própria literatura enfatiza, é necessária a formação dos professores sobre suas responsabilidades, o entendimento da importância da formação prática dos futuros professores, assim como a presença física no colégio; (c) o entendimento dos colégios como formadores de futuros profissionais da educação está sob a responsabilidade da universidade. Políticas institucionais, ou de nível nacional, estadual e municipal podem ajudar no fomento da instituição formadora de formadores.
Referências bibliográficas
Flaborea-Favaro, R. (2016). La formación inicial práctica del maestro de educación infantil: el caso de una universidad pública en Colombia. (Tesis de doctorado). Universidad Autónoma de Barcelona, Barcelona, España.
Guba, E. G., & Lincoln, Y. S. (1989). Fourth generation evaluation. Newbury Park, CA: Sage. Hernández Sampieri, R., Fernández-Collado, C. y Baptista Lucio, P. (2006). Metodología de la investigación. México. Mc Graw Hill.
Penin, S. (2011). Cotidiano Escolar: a obra em construção: (o poder das práticas cotidianas na transformação da escola). São Paulo: Cortez (2ª. Ed.).
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